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Voz da tribo ecoa nas ondas do rádio

  • admin 

“Jovens, é importante valorizar a educação para aprender muito mais! Essa é uma mensagem da Anet Memong 89,9 FM!” Mensagens simples como essa fazem parte dos exercícios de oficinas de produção radiofônica oferecidas a comunicadores indígenas de todo o Paraguai com o objetivo de ampliar e qualificar a voz de suas comunidades, tendo em vista contribuir para a preservação da sua língua, cultura e a defesa dos seus direitos. O projeto, que já chegou à região ocidental do país (o Chaco paraguaio) e, neste semestre, deve se estender à zona oriental, é uma iniciativa do Federação pela Autodeterminação dos Povos Indígenas do Paraguai (Fapi), entidade que reúne 13 organizações indígenas.

Segundo a jornalista María José (Majo) Centurión, da Fapi, o projeto faz parte de um conjunto de ações que a Federação, desde o seu início, em 2000, se empenha em realizar, de modo a capacitar as comunidades indígenas do Paraguai para o uso de meios de comunicação. “Isso é muito importante para os povos indígenas do Paraguai, que vivem em situação de grande discriminação e marginalização”, diz Majo.

Atuando desde 2013 na Fapi, a jornalista é também vice-presidente da SIGNIS América Latina e Caribe, associação que reúne a mídia católica e à qual estão associadas entidades nacionais como a SIGNIS Brasil, da qual Cidade Nova faz parte. “Buscamos colocar em relevo o conhecimento que os indígenas já possuem”, enfatiza a jornalista, que atua como facilitadora no projeto da Fapi. A partir desse conhecimento, Majo conta que procura trabalhar, teórica e praticamente, temas que são fundamentais para os comunicadores indígenas, a começar pela importância da própria comunicação para as suas comunidades.

A linguagem radiofônica exerce grande atração entre os indígenas, cuja cultura oral revela possuir uma forte identificação com esse canal de comunicação. Atualmente, boa parte dessas comunidades no Paraguai possui as suas próprias emissoras de rádio, instaladas em 2008 pelo Ministério das Comunicações, durante o governo do então presidente Fernando Lugo. São 11 no total: 8 na região do Chaco e 3 na região Oriental. “A Fapi, assim como outras organizações paraguaias, atua no trabalho de acompanhamento e capacitação dos indígenas em comunicação, o que inclui a manutenção das suas emissoras de rádio”, explica Majo.

O que ensinam os indígenas

Majo Centurión conta que, nas oficinas já realizadas na região do Chaco, os trabalhos se detiveram na produção de spots de rádio, os quais têm, entre outros objetivos, orientar e incentivar os indígenas a valorizar a sua própria riqueza e cuidar da sua própria comunidade. “Senhoras e senhores, mantenhamos nossos ambientes limpos, ensinando nossos filhos que não joguem lixo nas ruas das comunidades para impedir enfermidades”, diz uma das mensagens de spot, produto de áudio cuja experiência de elaboração foi bem avaliada entre os comunicadores indígenas.

“Foi muito interessante a oficina. Foi uma experiência única, nova, que me serviu muito e que motivou a seguir adiante”, declarou Ubaldo Sánchez, comunicador da Rádio Alternativa 95,5 FM, localizada na Aldeia Belém, do complexo Yalve Sanga, departamento de Boquerón, Chaco. Impressão semelhante teve Miguel Wins, comunicador da Radio Dos Cocos, da comunidade Harmonia, distrito do Tenente Irala Fernández, departamento de Presidente Hayes, também no Chaco paraguaio. “Essa capacitação foi muito importante para que os comunicadores possam ter ideia sobre como se trabalha na rádio. Espero participar de outras oficinas como essa”, afirmou Wins.

A jornalista Majo Centurión diz que o enfoque nos spots se dá pelo fato de a necessidade de valorização da palavra, seja porque é uma forma de manter vivas as línguas indígenas (há programas veiculados em espanhol e guarani, línguas oficiais no Paraguai, e em línguas indígenas específicas) e ser instrumento na luta em favor dos direitos dessas comunidades. “Necessitamos que as autoridades departamentais e distritais de Presidente Hayes melhorem o caminho de entrada e saída de nossas comunidades indígenas de Fernandes, no Chaco paraguaio”, diz outra mensagem de spot. Problemas como locomoção e evasão escolar, por exemplo, estão entre alguns temas abordados nessas oficinas de rádio, conforme evidencia a mensagem que abriu esta matéria.

Ao fazer a sua avaliação pessoal sobre o trabalho realizado até aqui, Majo Centurión afirma que, para essas comunidades, é importante não ver o rádio apenas como um veículo de entretenimento (“que só toca música”), mas reconhecê-lo como espaço para tratar dos seus próprios problemas já é um passo importante. Além disso, apesar do isolamento em que se encontram, pouca disponibilidade de tempo, falta de recursos e de formação técnica, o fato da produção de ser assumida inteiramente pelos indígenas é outro passo importante.

Ela reconhece, no entanto, que esse trabalho ainda permanece à margem da sociedade paraguaia como um todo. Para ela, quem perde é o restante do país. “Os povos indígenas têm muito o que nos ensinar sobre o tipo de comunicação que fazem; essa é uma comunicação capaz de transformar positivamente a realidade, porque direta, digna e que sabe se relacionar com a natureza.”
– Esta reportagem publicada originalmente na edição de setembro de 2019 da revista Cidade Nova.

Luís Henrique Marques , editor-chefe da revista Cidade Nova e secretário da atual Diretoria da SGINIS Brasil.