Luís Henrique Marques*
Em funcionamento desde 2013, a disciplina Educomunicação do curso de Sistemas e Mídias Digitais da Universidade Federal do Ceará (UFC) acumula uma rica experiência no âmbito da aprendizagem de questões articuladas entre os campos da comunicação e da educação. Em relato apresentado na 14ª edição do Congresso Internacional IBERCOM, realizado na Universidade de São Paulo (USC), entre o final de março e início de abril de 2015, as professoras Andrea Pinheiro Paiva Cavalcante e Cátia Luzia Oliveira da Silva apresentaram os primeiros estudos a respeito de algumas estratégias metodológicas aplicadas nessa disciplina.
De acordo com as docentes, a proposta de Educomunicação é seguir na contramão da “monocultura do saber”, conforme expressão do professor Boaventura de Sousa Santos. Para o pesquisador, há a necessidade que exista uma “articulação entre as estruturas do saber moderno/científico/ocidental e as formações nativas/locais/tradicionais”, o que ele chama de “ecologia de saberes”. Uma das experiências realizadas nesse sentido são as aulas-passeio, cuja proposta metodológica é inspirada no pensamento do pedagogo francês Célestin Freinet, responsável por introduzir novas práticas na sala de aula como o uso do jornal e as próprias aulas-viagem.
Saídas ao campo
Essas aulas consistem em “saídas ‘ao ar livre’ para que os estudantes descubram novos cenários e paisagens, estabeleçam contatos, percebam novas possibilidade de aprendizagens”, explicam Andrea Pinheiro e Cátia da Silva. Por meio dessas aulas, objetiva-se “conhecer práticas educomunicativas no contexto escolar e em organização não governamentais, constituindo um encontro da sala de aula com a realidade e gerando trocas de conhecimentos entre os envolvidos”.
As professoras contam que, durante três semestres, foram realizadas quatro aulas de campo, ocasiões em que puderam ministrar oficinas sobre fanzine, podcasting, stop motion, contos digitais e redes sociais na educação. Essas aulas aconteceram fora de Fortaleza, em localidades cujas distâncias da capital cearense variam entre 130 e 600 km. As viagens foram mais exatamente para o litoral de Trairi e para a região do Cariri. A respeito dessa segunda viagem especificamente, publicamos nesta seção do site da SIGNIS Brasil, uma matéria sobre a oficina de campanhas educacionais no rádio, atividade realizada na Fundação Casa Grande, no município de Nova Olinda.
“As aulas de campo proporcionam reflexão, espaço de pesquisa e de intervenção na medida em que os estudantes se prepararam e, em função de conhecimentos construídos coletivamente no decorrer das aulas, compartilham seus saberes com os grupos das instituições visitadas”, narram as professoras. “Algumas vezes buscamos atender as necessidades de formação das entidades e, em outros momentos, elegemos de forma conjunta, temas de oficinas que podem ser ministradas durante as aulas de campo, seja pelo interesse dos sujeitos envolvidos, seja pela expertise em determinada área do saber, demonstrada pelos estudantes.”
Toda experiência vivenciada nessas aulas-passeio é documentada pelos próprios universitários por meio de relatórios, vídeos, fotografias e outros produtos comunicacionais. “O objetivo desse registro é valorizar a expressão das subjetividades dos participantes, menosprezada, de forma geral, nos contextos de aprendizagem, especialmente no âmbito da educação superior”, argumentam as pesquisadoras.
O trabalho das professoras Andrea Pinheiro e Cátia da Silva apresenta alguns breves depoimentos dos universitários participantes dessas aulas-passeio, embora sem identificação dos nomes dos alunos. “A experiência como um todo foi bastante proveitosa. O contato com uma realidade diferente da nossa e a oportunidade de contribuir com o conhecimento são os pontos altos dessa empreitada”, declarou um dos universitários, o que, segundo as pesquisadoras, parece resumir a avaliação geral dos envolvidos. “Muitos alunos mencionaram ainda que, pela primeira vez em sua formação acadêmica, saíram do espaço da universidade e vivenciaram realidades distintas das que estão familiarizados. Alguns consideraram gratificante a possibilidade de trocar experiências com grupos de crianças e adolescentes de várias regiões do estado”, disseram as professoras.
Nota: Matéria produzida a partir do Trabalho “Aulas de campo e as práticas educomunicativas: a sala de aula encontra a realidade”, apresentado por Andrea Pinheiro Paiva Cavalcante e Cátia Luzia Oliveira da Silva na Divisão Temática DT 4- Educomunicação do 14º Congresso Internacional IBERCOM, realizado na Universidade de São Paulo (USP), entre 29 de março e 2 de abril de 2015.
*O autor é jornalista, editor-chefe da revista Cidade Nova e secretário da SIGNIS Brasil.
Foto: Atividade durante aula-passeio da Turma de 2019: aprendizagem mediante relação (Arquivo pessoal)