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Projeto aposta na “ecologia dos saberes”

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Desejando ir além de promover atividades isoladas em datas comemorativas ao longo do ano letivo, sobretudo sobre temáticas em favor da natureza, o professor de história e filosofia do ensino fundamental e médio, Benedito de Queiroz Alcântara (mais conhecido como Bené), propôs à direção do Instituto Educacional Amapá Pará (IEAP) de Afuá, próxima à foz do rio Amazonas no Pará, a realização do projeto de um curso capaz de formar defensores locais do meio ambiente. Assim, em 2019, com a ajuda de entidades parceiras como a Rede Eclesial Panamazônica (Repam), nasceu o Projeto “Guardiões Ambientais Ribeirinhos: cuidando da casa comum”. Além de estudantes, o projeto se destina a professores, lideranças comunitárias, agentes de pastoral e de saúde, ativistas ambientais e outros.

Bené explica que o projeto se inspira e se orienta no cuidado com a “casa comum”, conforme expressa o papa Francisco na carta encíclica Laudato Si’. Ele conta que a iniciativa começou a ser concebida em 2018, mas que tomou corpo a partir do momento em que pôde contar com a parceria da Repam, de quem é articulador na sua diocese. Hoje, o projeto conta com outros parceiros como a Diocese de Macapá (com especial participação da Comissão Justiça e Paz, Paróquia das Ilhas, Equipe Fé e Cidadania e Pastoral da Comunicação), Sindicato Rural local, Universidade Federal do Amapá (Unifap), Observatório de Justiça Socioambiental Dom Luciano Mendes de Almeida (OLMA) e até de um grupo de pesquisadores do Instituto de Educação de Angra dos Reis da Universidade Federal Fluminense (UFF). Além dos recursos humanos, essas parcerias permitem garantir os recursos financeiros para pagar os custos do projeto, que se referem, sobretudo, ao transporte e alimentação.

Educomunicação

O curso consta de 5 módulos, distribuídos em encontros mensais, realizados nos finais de semana, o que totaliza uma carga horária de 120 horas. O professor Bené afirma que o público-alvo já é constituído de potenciais guardiões ambientais, mas que, com a formação oferecida pelo curso, esses podem passar a atuar com uma consciência mais aprofundada sobre esse papel. A primeira turma do curso contou com 50 alunos, de diferentes localidades da região. Entre os mais distantes, houve quem precisou fazer uma viagem de 7 horas de barco até chegar ao IEAP, onde o curso é realizado. Aos participantes é ofertado um certificado de extensão universitária concedido pela Unifap.

Partindo do conceito de ecologia integral como temática central, o curso aborda assuntos específicos como água, biomas e mudanças climáticas e outros temas afins e de interesse das comunidades locais. As atividades, cuja dinâmica segue orientação do pensamento de Paulo Freire sobre educação popular, constam de momentos de reflexão, oficinas, noite cultural e trabalhos práticos (desenvolvidos entre um módulo e outro).

Um desses temas é a educomunicação, entendida como uma comunicação libertadora, capaz de produzir processos críticos e criativos na elaboração e difusão de informações e de conhecimentos. Mais que concepções teóricas, desde o 1º módulo, os alunos elaboram produtos de comunicação (como podcasts e vídeos) sobre as demais temáticas do curso. O professor Bené salienta o importante trabalho dos participantes em produzir matérias a partir de entrevistas aos chamados “sábios da floresta”, anciãos que têm muito o que ensinar sobre a relação com aquele meio ambiente. Esse diálogo se dá também com os facilitadores do curso, professores e profissionais das diferentes entidades parceiras que, voluntariamente, se dispõem a doar seus conhecimentos sempre mediante uma dinâmica dialógica, o que garante a construção coletiva do saber. Ou, como prefere afirmar Bené, “favorece a chamada ecologia dos saberes”.

Pandemia

Em função do confinamento social provocado pela pandemia de Covid-19, a edição do curso este ano precisou ser interrompida no seu formato original até que a seja possível voltar às atividades presenciais. Mesmo assim, algumas atividades foram adaptadas para serem realizadas remotamente, como o envio de material de formação e notícias aos alunos via WhatsApp.

Além disso, a coordenação do projeto está realizando uma pesquisa cujos resultados deverão permitir um diagnóstico sobre como os “guardiões” têm se comportado nesse período de pandemia no que diz respeito ao cuidado com a própria saúde, sobre o impacto que sofreram com as notícias relacionadas à Covid-19, sobre como têm buscado orientar e ajudar as pessoas da sua comunidade a evitar o contágio, entre outras questões.

A partir desse diagnóstico, outras ações deverão ser realizadas, como a entrega de um kit com máscaras e cartilhas de orientação sobre a doença destinado às comunidades locais. O professor Bené explica que muitas dessas comunidades, por serem isoladas, não dispõem de serviços de assistência à saúde, o que, em muitos casos, favoreceu o alto grau de contaminação. Esses agrupamentos variam de tamanho, podendo ter 5 ou até 200 casas.

Para Bené, mesmo diante do quadro atual, imposto pela pandemia da Covid-19, o projeto segue em frente, se adaptando e buscando atender às exigências que foram evidenciadas com o Sínodo da Amazônia sobre o cuidado com a vida e o com o bioma amazônico. “É um processo que chamamos de ‘amazonizar-se’, isto é, de incorporar o papel de guardião da Amazônia, papel que cabe à própria população local se conscientizar e realizar melhor”, afirma o professor.

Para saber mais: acesse a página do Instituto Educacional Amapá Pará (IEAP) no Facebook: Clicando aqui

Foto: Participantes de uma das edições do Guardiões Ambientais Ribeirinhos (Divulgação)

Luís Henrique Marques

O autor é jornalista, editor-chefe da revista Cidade Nova, secretário da diretoria da SIGNIS Brasil e membro do setor de Educomunicação e Pesquisa dessa mesma associação.