Luís Henrique Marques*
Embora distante no tempo, a experiência realizada no primeiro semestre de 2015 pela turma da disciplina Educomunicação do Bacharelado em Sistemas e Mídias Digitais da Universidade Federal do Ceará (UFC) permanece valiosa por aquilo que ela ensinou e pode inspirar ainda hoje estudantes, professores e profissionais que abraçam a causa da educomunicação. Essa experiência – oficina intitulada “Campanhas Educativas no Rádio” – foi apresentada na 6ª edição do Encontro Brasileiro de Educomunicação pelas professoras Andrea Pinheiro Paiva Cavalcante e Cátia Luzia Oliveira Silva, trabalho elaborado em parceria com os jornalistas Roberta Cavalcante de França e com o então graduando Ítalo de Oliveira Santos.
O grupo de pesquisadores conta “durante quatro dias os estudantes universitários viajaram para a região do Cariri [no sertão cearense], tendo a oportunidade de conhecer outra realidade geográfica e cultural, visitando museus, espaços culturais e centros de religiosidade popular”. Mas certamente a experiência mais impactante foi a convivência com crianças e adolescentes, com idade entre 6 e 17 anos, da Fundação Casa Grande – Memorial do Homem Cariri, em Nova Olinda (cidade com cerca de 15 mil habitantes, localizada a 510 km de Fortaleza), onde foram realizadas as oficinas educativas.
Em seu relato, o grupo da UFC explica que a Fundação Casa Grande “é uma organização não-governamental, cultural e filantrópica criada em 1992 e que tem, entre seus objetivos, realizar por meio de uma ‘formação interdisciplinar das crianças e jovens, a sensibilização do ver, do ouvir, do fazer e conviver através do acesso à qualidade do conteúdo e ampliação do repertório”. Buscando também ir ao encontro desse propósito central, as oficinas foram planejadas, levando-se em conta os saberes e áreas de interesse dos estudantes, bem como o contexto no qual seriam ministradas e o perfil das crianças e jovens do local.
As oficinas
Além dessas exigências, as Oficinas Educativas no Rádio tornaram-se uma forma de contribuição para com a rádio comunitária local – a Casa Grande FM, emissora da instituição que estava sediando as atividades – que carecia de produções próprias no que diz respeito a campanhas educativas. Mas os pesquisadores afirmam, em seu relato, que “o principal objetivo da oficina foi promover a troca de saberes de quem está na universidade com quem está na comunidade, sem hierarquias de conhecimentos, valorizando o estímulo à educação e à comunicação dialógicas”. Nesse sentido, para além dos conhecimentos técnicos no âmbito da publicidade e da produção radiofônica, as oficinas procuraram contemplar demandas dos seus jovens produtores e da comunidade local.
Mas nem tudo são flores. De fato, os pesquisadores relatam que os universitários tiveram que se adaptar ao comportamento das crianças, nem sempre interessadas. “Elas entravam e saíam do estúdio [de rádio da Fundação Casa Grande], sempre que o assunto parecia não lhes interessar muito”. Mas o esforço, combinado com uma linguagem adaptada às crianças, ajudou a superar as dificuldades na produção das campanhas cujo primeiro passo implicou uma roda de conversa com as crianças e adolescentes sobre questões como a própria campanha educativa, preocupações presentes no cotidiano de suas famílias e assim por diante.
Diante de tantas demandas e na impossibilidade de atender a todas, o grupo escolheu apenas dois temas para produzir suas campanhas educativas: o Museu do Ciclo do Couro (à época, recém-inaugurado) e a questão da economia da água. “A produção das campanhas aconteceu no segundo dia de oficina”, contam os pesquisadores. O grupo (incluindo os universitários) foi dividido em dois, e cada subgrupo assumiu um tema. “Depois que o texto foi escrito, as falas foram divididas, o texto foi ensaiado e a gravação foi feita algumas vezes, de modo a manter o ritmo e a entonação certa para cada frase do texto”, diz o relato da experiência. “Todos juntos, crianças, adolescentes e estudantes universitários, todos, em processo de experimentações e aprendizagens.” (Confira um dos textos no Box). Naturalmente, o trabalho contou ainda com o acompanhamento das crianças e adolescentes ao processo de edição das gravações.
Avaliação
Segundo os autores do relato da atividade, essa experiência possibilitou um aprendizado aos universitários desde o planejamento da oficina. Agora, certamente o exercício de compartilhamento de conhecimento e aprendizado cultural estão entre os principais benefícios obtidos ao final da oficina. “Observou-se que o exercício de sair dos espaços formais da educação universitária e da capital para entender a dinâmica e o conhecimento existente no interior do estado, gerou uma inquietação construtiva na formação dos estudantes universitários.”
Da parte dos adolescentes da Fundação Casa Grande, chamou a atenção o fato de demonstrarem interesse em aprender mais sobre educomunicação e rádio e até mesmo de ingressar no curso de jornalismo.
“Estivemos mais próximos de um projeto que contemple princípios como participação, autonomia, valorização cultural e estética regional, dentre outras questões”, conclui o relato. “O que muito engrandece os processos de aprendizagem em Educomunicação e todos os outros conhecimentos nos processos de troca de experiências.”
Campanha Economia de Água
TEC Inicia com o som de água sendo despejada na calçada
Menino – Ô dona Maria, desligue essa torneira e pare de gastar essa água!
Dona Maria – (com tom de raiva): Se importe com sua vida, muleque!
Menino – Mas é para nosso bem!
TEC (inicia música de fundo suave)
Narrador 1 – A água é uma substância essencial para a sobrevivência as mais variadas formas de vida. Devemos evitar o desperdício desse recurso precioso.
Dona Maria – O que devemos fazer para economizar água?
Menino – Em vez de a senhora jogar esse balde de água na calçada, por que a senhora não varre? Vou lhe dar uma dica: quando a senhora for tomar banho, desligue o chuveiro e quando a senhora for escovar os dentes, desligue a torneira.
Assinatura – Narradora 2 – Essa é uma campanha da Casa Grande FM. Realização: Fundação Casa Grande – Memorial do Homem Cariri com o apoio desta emissora.
Nota: Matéria produzida a partir do Trabalho “Campanhas educativas no rádio: as vivências de uma oficina educomunicativa no sertão cearense”, relato de experiência produzido por Roberta Cavalcante de França, Ítalo de Oliveira Santos, Marco Leonel Fukuda, Andrea Pinheiro Cavalcante e Cátia Luzia Oliveira da Silva no 6º Encontro Brasileiro de Educomunicação.
*O autor é jornalista, editor-chefe da revista Cidade Nova e secretário da SIGNIS Brasil.
Foto: Atividade realizada durante aula-viagem da turma de 2019: oficinas promovem a relação adequada entre teoria e prática (Arquivo pessoal)