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Experiência metodológica se inspira em jogos RPG

  • admin 

Luís Henrique Marques*

Diante das limitações apresentadas por alunos da disciplina de Educomunicação do curso de graduação de Sistemas e Mídias Digitais da Universidade Federal do Ceará (UFC) na discussão de textos programados para as aulas, as professoras Cátia Luzia Oliveira da Silva e Andrea Pinheiro Paiva Cavalcante adotaram uma estratégia metodológica alternativa para ajudar os universitários num melhor desempenho dessa atividade acadêmica. Essa experiência está relatada em trabalho redigido em conjunto com os estudantes Diego de Lima Barros e Vitória Facundo Macedo (monitores da disciplina) e apresentado no 2º Congresso Internacional de Comunicação e Educação, realizado na Universidade de S. Paulo (USP), em novembro de 2018.

A estratégia adotada é conhecida como Círculos de Leitura, metodologia criada pelo professor e pesquisador Bob Hill, da Universidade da Georgia, nos Estados Unidos, e conta com as chamadas cartas-personagem, folhas com informações básicas sobre papeis específicos que os alunos devem assumir no debate (os prep sheets). Inspiradas nos jogos de RPG (Role-Playing Game, em tradução livre, Jogo de Interpretação de Papeis), cada carta-personagem designa um papel diferente na discussão dos textos. Nesse caso, as professoras da UFC criaram papeis específicos que correspondem às demandas do curso de Sistemas e Mídias Digitais. Por exemplo: “Advogado do diabo”, carta por meio da qual o participante deve “interpretar um personagem desafiador, tanto em relação ao conteúdo do texto quanto em relação à abordagem trazida pelos colegas de sala”. Outros papeis criados são “Articulador(a) criativo(a)”; “Avaliador(a)”; “Bombadão/Bombadora do Vocabulário”; “Guardião(ã) da Palavra”; “Ilustrador(a)” e “Mestre(a) de Passagem”.

Avaliação

Os autores contam que, durante os três semestres em que essa metodologia foi aplicada, utilizaram da observação participante por meio da qual vivenciaram eles mesmos a experiência de utilizar essa estratégia. “Desse modo, a equipe observadora agiu de maneira diligente no sentido de entender as interpretações de mundo e os contextos de vida trazidos pelos participantes”, diz o artigo. Além disso, os pesquisadores “puderam aprender quando fazer ou não uma pergunta” e “avaliar o momento adequado para formular os questionamentos”. Coube ainda a essa equipe mediar o processo, “expressando opiniões pontuais e realizando pequenas intervenções quanto à organização do tempo no sentido de contribuir com a adaptação da turma à proposta metodológica”.

Apesar das limitações impostas pelo cansaço dos alunos – a aula foi realizada das 20 às 22 horas durante os dois semestres de 2018 -, professoras e monitores da disciplina avaliaram que os resultados foram positivos. “Nota-se que as discussões construídas ao final dos semestres revelam um aprofundamento do debate quanto à apropriação das temáticas abordadas nos textos; paralelamente, percebeu-se um discurso mais crítico e integralizador, que conseguia conectar causas sociais e ambientais, por exemplo, com questões de ordem política e econômica”, o que contraria o formato de estudo disciplinar e fragmentado ao qual os estudantes são tradicionalmente submetidos.
Os pesquisadores reconhecem que esse processo desafiou os alunos a serem criativos no exercício de leitura, reflexão e discussão dos textos, “à medida em que diferentes habilidades interpretativas precisaram ser articuladas à compreensão dos referenciais teóricos trabalhados”. Além disso, essa metodologia possibilitou a descentralização dos espaços de fala e escuta, já que cada aluno, em função do papel assumido durante a dinâmica do Círculo de Leitura, precisou dar a própria contribuição para a discussão. “Houve, desse modo, um exercício de democracia e de alteridade que esteve diretamente relacionado ao foco e ao aprofundamento dos debates”, concluiu a equipe de pesquisa.

Nota: Matéria baseada no Trabalho “Círculos de Leitura e cartas-personagem: a experiência de uma metodologia interdisciplinar inspirada nos jogos RPG”, apresentado por Diogo de Lima Barros, Vitória Facundo Macedo, Cátia Luzia Oliveira Silva e Andrea Pinheiro Paiva Cavalcante no II Congresso Internacional de Comunicação e Educação na Universidade de São Paulo, novembro de 2018.

*O autor é jornalista, editor-chefe da revista Cidade Nova e secretário da SIGNIS Brasil.

Foto: Atividade de viagem-aula da Turma de 2019: reflexão crítica em conjunto é exercício fundamental no aprendizado (Arquivo pessoal)