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Expedição 25 anos da Fundação Casa Grande: uma experiência de diálogo cultural

  • admin 

*Luís Henrique Marques

Entre os dias 16 e 20 de dezembro de 2017, alunos dos cursos de Publicidade e Propaganda, Psicologia e Sistemas e Mídias Digitais da Universidade Federal do Ceará (UFC) vivenciaram uma experiência bastante intensa e rica de diálogo interdisciplinar e cultural ao participaram da expedição realizada para cobrir as festividades dos 25 anos da Fundação Casa Grande, sediada em Nova Olinda, região do Cariri, no interior do Estado. É o que testemunham as professoras Andrea Pinheiro Paiva Cavalcante, Erica Átem Gonçalves de Araújo Costa e Inês Silvia Vitorino Sampaio, cujo relato não publicado é base desta matéria. Criada em 1992, a entidade atua com crianças e adolescentes num trabalho de articulação de memória, história, cultura, comunicação e artes (veja Box).

Além do convite da Fundação, com quem a UFC já mantinha uma relação desde a década de 1990 mediante a realização de uma série de projetos, a expedição se revelou mais uma oportunidade de aprendizado diferenciado para os universitários. “Ultrapassar os muros da universidade significou reencontrar dimensões de aprendizagem que precisam de emoção, do corpo, da imaginação e do encantamento, assumindo, assim como afirma Paulo Freire para quem ‘conhecer é interferir na realidade conhecida’”, escreveram as professoras que, juntamente com 18 estudantes dos três cursos e mais dois motoristas, fizeram uma viagem de 12 horas até chegar ao seu destino. Em Nova Olinda, além das crianças e adolescentes assistidos pela Fundação Casa Grande, o grupo fez uma verdadeira imersão cultural numa realidade bastante distinta da sua.

Atividades

Nos pouco mais de 4 dias de atividades, muita coisa chamou a atenção do grupo da UFC, responsável por fazer a cobertura e registro dos acontecimentos daqueles dias de festa. O trabalho de cobertura foi coordenado por um dos jovens da entidade e contou com a colaboração de outros dois meninos da Fundação. Eles formaram as equipes que trabalharam com texto, vídeo, redes sociais, fotos e rádio.

A primeira delas foi a apresentação do Grupo de Penitentes da Divina Cruz do Sítio de Cabeceiras de Barbalha, grupo composto de homens. “Nos olhos de professores, estudantes e demais convidados, o olhar é de hipnose frente ao ritual de celebração da fé dos Penitentes de Barbalha, homens e meninos fervorosos que cantam, dançam e beijam a cruz”, relatam as docentes.

Outro momento surpreendente para os visitantes foi o desfile de moda organizado pela entidade, em que 4 das 3 coleções apresentadas tinham sido produzidas por jovens da Casa Grande que chegaram à entidade ainda crianças. “Estávamos à frente de um desfile feito por designers da própria comunidade para a comunidade, e protagonizado por crianças, jovens, homens e mulheres da região a atuar como modelos”, diz o relato das professoras. “Exibiam orgulhosos em suas vestes, seus traços e adereços, lendas e brincadeiras, elementos da terra, fauna e flora do Cariri.”

A programação de atividades dos universitários da UFC reservou um encontro com Alemberg Quindins, idealizador do projeto da Fundação. Foi desconcertante como, de forma simples, mas com uma crítica aguda, o anfitrião soube apontar para as deficiências da cobertura feita até aquele momento, levando a todos a uma reflexão fundamental: “quem aprende, quem ensina?”. Em outras palavras, ele apontou para o fato de que certa tendência “colonizadora” de encarar a cultura, tende a ignorar o fato de que, na realidade, todos podemos aprender uns com os outros e que, mediante as naturais diferenças culturais, é inevitável o conflito, que deve ser encarado com um momento de aprendizado no encontro com o outro.

Além de uma palestra sobre o tema “Gestão cultural” com o próprio Alemberg Quindins, o grupo da UFC visitou o Museu Orgânico do “Inventor do Sertão”, do Mestre Françuli (produtor de artesanato em folhas de flandres); apresentação do Reisado de Caretas do Couro, do Sítio Sassaré, em Potengi, sob a condução do Mestre Antônio Luiz e participou da tradicional Festa da Renovação, entre outros momentos de contato direto e intenso com a cultura popular e local.

O texto das professoras assume, por vezes, um tom descontraído, que permite ao leitor compreender a naturalidade das manifestações e relações estabelecidas entre aquele grupo “estrangeiro” e os habitantes da terra. Em sua conclusão, as autoras fazem uma avaliação inspiradora: “na bagagem, trouxemos, entre outros, o aprendizado das riquezas, diversidade e beleza da cultura popular; o conhecimento de rituais religiosos, festas, danças e gastronomia populares, e o sentidos locais e comunitários a eles atribuídos; o entendimento de que é possível aprender fazendo; a noção de que crianças, adolescentes e jovens são capazes de aprender, mas também de ensinar, inclusive a estudantes e professores universitários e que a experiência da viagem não terminou ali”.

Sobre a Fundação Casa Grande e a Festa da Renovação

Diz o relato das professoras da UFC: “A Fundação Casa Grande foi fundada em 1992 e desde então vem celebrando em dezembro, data da sua criação, a Renovação do Sagrado Coração de Jesus e Maria, manifestação de fé comum às famílias do Cariri, momento e ato em que familiares e amigos revigoram a ligação com o sagrado, por meio de cânticos, rezas e pedidos com devoção”. O texto explica ainda que “na Casa Grande a solenidade é realizada na sala de entrada, cuja parede frontal transforma-se em um santuário, todo ornamentado com imagens e outros elementos simbólicos da religiosidade, que retratam a fé e evocam a proteção aos moradores e visitantes”.

Ainda de acordo com o texto, a história da entidade teve início, na realidade, em 1982, com as andanças do casal de fundadores, Alemberg Quindins e Rosiane Limaverdade, pela região da Chapada do Araripe. “Nessas expedições, vendo, ouvindo e sentido a mitologia do homem ancestral, documentando as lendas e achados arqueológicos, o casal já estava idealizando o que viria a ser a Casa Azul – espaço vivo de criação e produção cultural, que tem a valorização da infância como marca e que guarda fragmentos de memórias atemporais.”

O nome da entidade é uma referência ao imóvel sede da instituição que, no passado de Nova Olinda, foi ponto de apoio a vaqueiros que levavam a boiada do Cariri ao sertão dos Inhamuns, no chamado período da Civilização do Couro, no final do século 17. A casa – parte do folclore local como sendo mal-assombrada – foi restaurada a partir de 1983 e passou a abrigar a Fundação, mantendo as cores originais com paredes azul e portas e janelas em vermelho.

Nota: Matéria produzida a partir do relato “Expedição interdisciplinar 25 anos da Fundação Casa Grande : experiências e aprendizagens”, de autoria das professoras Andrea Pinheiro Paiva Cavalcante, Érica Átem Gonçalves de Araújo Costa e Inês Silvia Vitorino Sampaio (não publicado).

*O autor é jornalista, editor-chefe da revista Cidade Nova e secretário da SIGNIS Brasil.

Foto: Reunião do grupo em aula-viagem de 2019: experiência intercultural (Arquivo pessoal)