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Aluno-repórter é destaque na formação de estudantes do Pará

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Assim que assumiu a função de docente da rede pública de ensino do Pará, na cidade de Bragança, o radialista Carlos Roberto Amorim (o professor Beto) teve logo a iniciativa de levar para a sala de aula sua experiência como profissional do rádio. “Quando o aluno se envolve com a comunicação, ele produz mais, e participa mais ativamente da vida da comunidade escolar”, afirma ele. Isso o animou a elaborar e propor o Projeto Aluno-repórter: a imprensa na escola, rádio e TV, iniciado em 2008.

No primeiro ano, apenas 4 escolas participaram. De lá para cá, entre 900 e mil alunos da escola pública estadual de Bragança e cidades vizinhas já fizeram parte do projeto, o que inclui estudantes de ensino superior. A cada ano, são 100 a 130 os participantes. A exceção foi 2011, quando o projeto chegou a contar com 300 participantes. O sucesso inicial levou o Aluno-repórter a ser locado no Núcleo de Tecnologias Educacionais (NTE) da Secretaria de Educação (SEDUC) e passou a contar com o apoio da Fundação Educadora de Comunicação Nossa Senhora do Rosário, cujas emissoras de rádio AM (1390) e FM (106,7)e de TV (canal 30, retransmissora da TV Nazaré, de Belém) têm acolhido as produções dos alunos que participam do projeto. Ao longo dos seus 12 anos de atividade, o projeto já contou com outros apoiadores, como o Tiro de Guerra e a Câmara de Diretores Lojistas de Bragança.

Sob a supervisão de professores com experiência em comunicação e em outras áreas do conhecimento, os alunos selecionados atuam em equipe e são responsáveis por idealizar e produzir um programa de rádio sobre assuntos de interesse da comunidade escolar, veiculado pela rádio web. Isso inclui a operação dos equipamentos. Dois espaços de laboratório foram especialmente construídos para o projeto na sede de Fundação Educadora. Todas as equipes, juntas, acabam garantindo uma programação de segunda a sexta-feira, das 8 às 18 horas.

Além dos programas, alunos participam da programação das Rádios Educadora AM e FM, entrando ao vivo com matérias que eles produzem ao longo da semana. No final do ano, durante 2 a 3 semanas, o professor Beto Amorim abre espaço no seu próprio programa da Rádio Educadora para apresentar as produções dos alunos. Ao final do curso, todos os participantes recebem certificação. Até o momento, além de escolas estaduais, o projeto acolheu alunos da Universidade Federal do Pará (UFPA), do Instituto Federal do Pará (IFPA) e do Instituto Santa Terezinha, da Diocese de Bragança.

Após uma primeira aula ministrada por algum profissional da comunicação, especialmente convidado, os alunos participam de oficinas de elaboração de texto, locução, edição e outras ligadas à produção radiofônica. Depois de um início improvisado, com o passar do tempo, ajuda de apoiadores e a conquista de recursos disponíveis por meio de editais do governo, o projeto evolui tanto em termos de linguagem, conteúdo e equipamento técnico. Atualmente, os alunos produzem também programas de TV e conteúdo para Internet.

Frutos surpreendentes

O professor Beto Amorim fala com orgulho das muitas conquistas que o Aluno-repórter obteve desde que foi iniciado. Embora a iniciativa tenha surgido como um suporte ao aprendizado dos conteúdos escolares e para dar visibilidade “a muita coisa boa que acontece no âmbito da escola e nunca é notícia”, o projeto tem produzido frutos que surpreendem o próprio docente. Um deles tem a ver com o fato de despertar em muitos estudantes à vocação para o radialismo e o jornalismo.

Hoje com 30 anos, Claudionor Correia da Silva, o Claudinho, é um desses casos. Ele participou do Aluno-repórter em 2009, o que considera “um divisor de águas na sua vida”. Embora naquela época já exercesse o trabalho de locutor em espaços públicos, ainda estava distante do rádio. Claudinho conta que o projeto lhe ofereceu mais base para exercer essa atividade, o que o levou, afinal, a trabalhar no rádio e na televisão locais. Há 15 anos na área, o radialista afirma que o projeto lhe concedeu uma “credencial” para atuar, a ponto de considerá-lo quase um curso técnico (de 260 horas) que não só o inspirou quanto o preparou segundo valores que o moldaram.

Essa é também a experiência de Mateus Ribeiro, da cidade de Tracuateua, próxima à Bragança. Hoje, ele cursa Letras na UFPA, mas sua grande paixão é o jornalismo, atividade que já exerceu no rádio e na TV, nesse último caso, como repórter substituto em trabalho de cobertura jornalística de eventos pela TV Educadora e pela afiliada do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) em Bragança. Ele diz que o projeto se tornou uma referência para os profissionais e veículos de comunicação da região. Além da experiência acumulada como repórter, Mateus foi além, tendo sido premiado pela Câmara dos Deputados, em 2014, pela produção de um minidocumentário de 5 minutos para o Projeto “Curta Maria da Penha”, sobre a importância da lei de combate à violência contra a mulher. Na ocasião, o jovem foi à Brasília, onde recebeu o prêmio com mais 6 outros jovens produtores de diferentes regiões do País. Para Mateus, as habilidades para produzir o documentário foram adquiridas no Aluno-repórter.

Mas há quem considere o projeto responsável por um verdadeiro milagre. Quem testemunha isso é Paulo Ricardo dos Remédios Santos, de 20 anos. Ele participou na turma de 2017, por um acaso. Tinha ido acompanhar um colega selecionado para o projeto e, tendo sobrado uma vaga, acabou se interessando e pediu para ser aceito. Para Paulo, o desafio de participar do Aluno-repórter foi maior que para muitos outros jovens. Ele conta que era gago e, por isso, chegou a ser questionado por colegas se ele teria condições de seguir adiante com as atividades. Ele mesmo teve dúvidas a respeito. Foi então que, conversando com o professor Beto Amorim, tomou a decisão de continuar. “Se eu não tentasse, se não sonhasse, talvez nunca conseguiria viver a realidade do meu sonho, me disse o professor Beto”, conta Paulo. Com incentivo e dicas para treinar a leitura, após o primeiro mês, o jovem já estava falando ao microfone com naturalidade. A essa conquista, ele agrega o fato de ter conseguido vencer sua vergonha de falar em público (já foi até mestre de cerimônias) e de, mesmo sendo de uma família humilde da periferia de Bragança, sonhar com o projeto de se tornar um radialista profissional.

Esse sonho é também alimentado por Ruan Brito, que participou do Aluno-repórter em 2019. Aluno do campus local do IFPA, Ruan disse ver seu desejo de criança de atuar na rádio e TV se aproximar cada vez mais da realidade, desde que fez parte do projeto. Além disso, ele salienta que a iniciativa tem sido importante por dar voz a adolescentes e jovens carentes de visibilidade junto à opinião pública e confirmar o quanto a educação, com as motivações e recursos adequados, é capaz de transformar pessoas e o próprio mundo.

O reconhecimento do sucesso do Aluno-repórter ultrapassou as divisas de Bragança e do próprio Estado do Pará, o que lhe valeu uma série de prêmios. O mais recente desses reconhecimentos veio com a indicação para participar da edição deste ano do Projeto Criança Esperança, campanha nacional da Rede Globo de Televisão em prol dos direitos da criança e do adolescente que, hoje, conta com o apoio da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura) e Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância).

Para Beto Amorim, a grande conquista do projeto é, pois, o aprendizado que tem transformado a vida de muitos jovens que dele participam, além de mostrar uma perspectiva real e positiva do ambiente escolar. Um fato aparentemente simples ilustra essa percepção do professor. Ele conta que, em certa ocasião, um aluno o questionou se podia produzir uma matéria sobre o problema de falta de energia que sempre assolava sua escola, prejudicando com frequência as atividades. Produzida a matéria, essa foi veiculada na Rádio Educadora. A resposta veio da empresa responsável pelo fornecimento da energia que, após anos, resolveu afinal o problema. “O aluno sentiu o quanto seu trabalho em favor da comunidade tem valor”, conclui o docente.

Para saber mais: https://www.alunoreporter.com.br/novo/index.php

Foto: Grupo de participantes do Projeto Aluno-repórter: educação, comunicação e cidadania (Divulgação)

Luís Henrique Marques* *

O autor é jornalista, editor-chefe da revista Cidade Nova, secretário da diretoria da SIGNIS Brasil e membro do setor de Educomunicação e Pesquisa dessa mesma associação.